Oscar 2013: No


Indicado na categoria: filme estrangeiro


No tinha tudo para ser panfletário, inflamado, patriótico, catártico. Mas o diretor Pablo Larraín, que encerra com este longa sua trilogia sobre a ditadura Pinochet no Chile (os outros foram Tony Manero e Post mortem) resolve contar essa história, que tem final feliz, de maneira bastante irônica. A originalidade começa no argumento, que retrata o plebiscito que legitimaria ou não a permanência do general no poder pelo ponto de vista da campanha do "Não", em 1988, provocado pela pressão internacional. Mas logo se percebe que a publicidade não foi escolhida impunemente para figurar na produção. E é aí que está o grande trunfo do filme.

"Antes de mais nada, gostaria de mencionar que o que verão a seguir está marcado dentro do atual contexto social". Dita pela primeira vez, a frase de René Saavedra  (Gael García Bernal) soa sarcástica ao introduzir um mero comercial de refrigerante a seus clientes, imbuído das ideias de juventude, rebeldia e liberdade, segundo seus criadores. Parceiros no trabalho, ele e seu chefe, Lucho Guzmán (Alfredo Castro), começam a trilhar caminhos políticos diferentes pouco tempo depois, quando René é convidado a fazer parte da equipe da oposição. A decisão, tomada depois de alguma resistência e até de ser desmentida, é mais racional do que passional, embora ele mesmo tenha sido um exilado e sua ex-mulher sofra constantes prisões pela militância.

Logo as consequências dessa escolha se revelam: tensão no trabalho - afinal, quem coloca dinheiro na mesa é o "moderno" microondas, não a ideologia política, que, ainda por cima, contraria interesses - e até ameaças contra sua família. É interessante notar, no entanto, como o pensamento de René vai na contramão de todos os envolvidos na campanha, que não acreditam na vitória nesse plebiscito, mas desejam apenas "criar consciência" nos chilenos. O publicitário reprova com veemência o uso de cenas de violência e o depoimento de vítimas, julgando que isso condenaria o trabalho ao fracasso.


Sua experiência profissional o leva a pensar friamente num conceito universal de alegria e confiança, que conquistaria os eleitores indecisos e assustados para irem contra o regime. E é com jingles, pessoas felizes em cena e todos os truques usados para convencer o público a escolherem uma marca de refrigerante que a equipe do "Não" consegue furar a máquina do Estado. E quando a frase de René é repetida ao longo do filme, a dúvida que fica é: até que ponto houve, realmente, mudança? Ou o capitalismo transforma a democracia em mais um conceito ilusório a ser vendido a um público?

O filme não desmerece a vitória política que tirou Pinochet do poder ou questiona a decisão popular, mas não se deslumbra com o que de fato aconteceu. A postura, cínica até, é explicitada claramente durante toda a projeção, quando traz René andando de skate, como se fosse um ator de seus próprios comerciais, ou quando Guzmán afirma que ele leva uma vida confortável com a situação atual. Em outras palavras, um recado para não prejudicar toda uma classe, mas também uma forma de nos lembrar.que quem está no centro de todo esse movimento não é um herói do povo.

Além do tom crítico e da abordagem provocadora, a fotografia do longa é outro ponto de destaque. Larraín optou por filmar em U-Matic, tecnologia usada na época, e com câmera na mão, para dar um tom mais documental à narrativa. O resultado é uma qualidade de imagem propositalmente inferior, com luzes estouradas e pouca definição, mas a mágica acontece quando o diretor mescla a ficção com imagens de arquivo. Uma verdadeira viagem no tempo, que justifica o sacrifício da perfeição fotográfica tão almejada hoje em dia. No é um filme modesto, mas instigante, de uma coragem que se faz necessária à atual cinematografia latinoamericana.


No próximo post: Django livre
Giselle de Almeida

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