Oscar 2013: Django livre


Indicado nas categorias: filme, ator coadjuvante (Christoph Waltz), roteiro original, fotografia e edição de som


É no mínimo intrigante como Django livre pode ter sido considerado racista por parte do público americano. Mais intrigante ainda é o fato de toda a celeuma ter sido causada pelo uso excessivo da palavra nigger (mais de cem vezes, é o que dizem). Então o que provocou revolta foi mesmo a "n-word", que de tão pejorativa nem é pronunciada pelos politicamente corretos? Ver negros acorrentados, torturados, comercializados e rechaçados por outros negros é aceitável? Que os falsos moralistas me perdoem, mas se a questão chegou a esse nível de hipocrisia, é sinal de que provocações como a de Quentin Tarantino continuam mais do que bem-vindas.

Western na forma, com direito a vários planos-homenagem aos clássicos do gênero, e blaxpoitation na alma, que inspira mais uma vez a caprichada trilha sonora do cineasta, o filme conta a história de Django (Jamie Foxx), um escravo que ganha sua liberdade graças a King Schultz (Christoph Waltz), um caçador de recompensas disfarçado de dentista. A aliança entre os dois se dá primeiramente por interesse, já que o americano poderia reconhecer três alvos valiosos para o alemão, mas em pouco tempo eles se tornam próximos. A grande virada da trama é quando Django resolve seguir a mesma profissão de Schultz, tornando-se um inédito caçador de recompensas negro. Daí é fácil imaginar que a nova situação não é aceita nem pelos senhores nem pelos escravos: o protagonista se torna um indivíduo híbrido, que não pertence a nenhum dos dois lugares.


Assim como Bastardos inglórios, a nova produção de Tarantino é uma história de vingança com pano de fundo histórico. Ao contrário do fim catártico do longa sobre a Alemanha nazista, porém, o desfecho violento é bem mais pessoal que universal. Talvez pelo fato de o vilão da vez, o proprietário Calvin Candie (Leonardo Di Caprio), por mais asqueroso que seja, não personificar o mal como a figura de Adolf Hitler no inconsciente coletivo. Mas, ainda assim, cenas como a de um negro açoitando um branco é de um simbolismo ímpar, mais do que todos os tiros (com sangue jorrando, claro) e explosões que tanto fazem a cabeça do cineasta e já são uma característica intrínseca de sua filmografia.

Jaime Foxx, que não tinha um papel tão marcante desde Ray, convence na pele desse homem de dignidade recém-recuperada, tão focado em reencontrar a mulher que é capaz de voltar as costas para um semelhante. Mas o ator é ofuscado por Waltz, que mais uma vez rouba a cena como coadjuvante. Embora Schultz não tenha o caráter do impagável coronel Landa, o caçador de recompensas tem uma lábia parecida e garante alguns dos melhores momentos do filme com seus discursos de intenções misteriosas reveladas a conta-gotas. Outro que se sobressai em cena é Leonardo DiCaprio, em atuação digna de indicação, mas esnobado pela Academia. Principal antagonista da história, Candie é facilmente odiável apenas por sua posição social, mas sua  personalidade arrogante e, ao mesmo tempo, ingênua (cega pela ambição, a bem da verdade), fazem com que ele ganhe em profundidade.

Já Samuel L. Jackson, parceiro veterano de Quentin, apesar de prejudicado por uma caracterização bem precária, tem em mãos outro grande personagem da trama: o escravo Stephen, tão fiel a seu senhor, que chega a incorporar o pensamento discriminatório dos brancos, a ponto de se indignar com a presença de um negro livre à mesa. Samuel descreveu o papel como "um novo Pai Tomás", citando o livro "A cabana do Pai Tomás", de Harriet Beecher Stowe, romance de grande importância na literatura norte-americana, influente até no movimento abolicionista. O protagonista do livro, a que o ator se refere, é um negro submisso e conformado com a situação de maus-tratos e preconceito em que vive. Assim como Django, Stephen é um homem sem referências: escravo que não é como os outros, por viver na casa grande e ter poder sobre os demais, mas tampouco é como seus patrões. E dele partem alguns dos insultos mais raivosos do longa. E aí, mais uma vez, surge a questão: com tudo isso em jogo, é por causa de tantos "nigger" que o filme fez barulho?



No próximo post: Frankenweenie
Giselle de Almeida

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