Oscar 2012: Rango


Indicado na categoria: longa-metragem de animação


Rango é um típico anti-herói: medroso, desastrado, falastrão. Um camaleão em crise de identidade, incapaz  de se camuflar para salvar a própria vida ("É uma arte, não ciência"). Até ele, que se acha um ninguém, acreditaria ser pouco provável alguém pensar em fazer um filme sobre sua trajetória. Como um sujeito desses pode se tornar o clássico herói? Nessa divertida história em tons de fábula que homenageia os clássicos do western, tudo é possível.

A incrível jornada de Rango (voz de Johnny Depp, versátil e criativo como sempre) começa por acaso. Um inesperado acidente o retira do conforto de seu aquário e o atira, sem piedade, em pleno deserto. O outrora animal de estimação se vê num ambiente hostil, sem amigos e sem muito propósito na vida. Depois de alguns percalços, chega até o povoado de Dirt, onde a presença de um forasteiro intriga e ameaça. Para conseguir algum respeito (e, quem sabe, um pouco de companhia), ele começa a criar seu próprio personagem e conta histórias mirabolantes e feitos extraordinários. Parece mais corajoso que todos os habitantes da pacata cidadezinha reunidos. Não demora a virar xerife e esperança do vilarejo por dias melhores. "Eles precisam acreditar em algo", diz o prefeito. Mal sabem eles que valente mesmo é Feijão (voz de Isla Fisher), que não só se recusa a vender a terra da família como desconfia que ele seja o responsável pela escassez de água na cidade.

Pela sinopse, já é possível identificar vários elementos característicos dos filmes de faroeste. Mas não são meras citações. Apesar de se tratar de uma comédia de animação, Rango, em sua essência, é western purinho. Reparem na antológica cena da entrada do protagonista no saloon e tentem contar mentalmente quantas vezes aqueles mesmos planos você já viu no cinema. Mesmo eu, que não conheço tanto o gênero, posso afirmar que foram inúmeras. A porta abrindo e fechando sozinha. O barulho de conversa interrompido abruptamente. Os homens mal encarados olhando de forma ameaçadora. Uma arma em close. Um bêbado deitado sobre a mesa. Tensão durante todos os passos do forasteiro até o balcão, onde ele pede sua bebida: "Eu gostaria de um copo de água". Todos riem, claro, mas o efeito cômico é diferente na plateia e nos personagens. Nós rimos porque se espera que ele peça uma bebida alcoólica, uma atitude típica do machão que frequenta aquele tipo de lugar. Já em cena, todos riem porque água é artigo de luxo em Dirt. 

Além dos personagens carismáticos e do roteiro esperto, o terceiro quesito para uma animação de sucesso recebe notas altas com louvor: apesar de iniciante, o estúdio Industrial Light & Magic (de George Lucas) faz um trabalho excelente na parte técnica. Incrível a qualidade que simula vidros, por exemplo, bem fiel à realidade. Ao diretor Gore Verbinski (de Piratas do Caribe) também cabem elogios. Ele já provou que filma história de humor sem preconceito e presta um belo tributo aos cânones do western,  utilizando os arquétipos, reproduzindo os tradicionais movimentos de câmera. Mas num filme como esse, só se atinge o equilíbrio misturando reverência com irreverência. Portanto, atenção à cena do duelo final. Alguns elementos, como os sinos tocando e a tempestade de areia, respeitam a cartilha. Já outros detalhes não estavam em nenhum script dos grandes clássicos...


São também impagáveis os comentários das hilárias corujas mariachis que narram a trama e "preveem" a morte do nosso anti-herói a cada meia hora. E, ao mesmo tempo que é divertido acompanhar os próximos passos do camaleão para manter sua farsa, já que ele não faz a menor ideia de como enfrentar os perigos reais que o esperam, melhor ainda é perceber que é isso o que o torna tão genuíno e adorável. E como toda fábula, o longa, que fala de temas universais como ambição e coragem, reserva umas lições para os humanos a partir das ações dos animais. Procurando seu lugar no mundo, Rango descobre, finalmente, que não é preciso ser uma fraude ou se camuflar para pertencer a algum grupo. Somente quando consegue dispensar todas as máscaras, aí sim, ele pode ser alguém. E isso pode ser mais difícil do que muita gente pensa.

 

No próximo post: Histórias cruzadas
Giselle de Almeida

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