Oscar 2012: O espião que sabia demais


Indicado na categoria: ator (Gary Oldman), roteiro adaptado e trilha sonora original


"Está sendo seguido? Não confie em ninguém, Jim". As primeiras frases de O espião que sabia demais deixam clara uma das principais premissas do filme: o clima é de total desconfiança. Logo no início, o agente Jim Prideaux (Mark Strong) recebe uma missão aparentemente bem mais simples que todos os obstáculos enfrentados por Ethan Hunt ou James Bond. O encontro com seu contato húngaro, num café, é cercado por estranhos, coadjuvantes que nem bem aparecem em foco, mas fazem toda a diferença na cena, ao se denunciarem com olhares furtivos nos momentos mais inadequados. A câmera percorre todo o ambiente captando a tensão entre eles, mas aponta sem dó a angústia do garçom, que transpira em excesso, chegando a derramar uma gota de suor sobre a mesa. Não são necessários diálogos auxiliares para explicar que a ação não teve exatamente um final feliz.

Pela descrição, já é possível perceber que o longa de Tomas Alfredson é um filme de espionagem que foge da tradicional cartilha de inesgotáveis cenas de ação, grandes vilões e tiradas cômicas que aliviam a tensão de tempos em tempos. O clima é soturno, a movimentação e a postura dos personagens dizem mais do que os escassos diálogos e o intrincado roteiro se desenrola lentamente, conduzindo a atenção do espectador passo a passo. E a cuidadosa interpretação de Gary Oldman para o recém-aposentado George Smiley (que de sorridente não tem nada) soa não só bastante adequada como se mostra uma ferramenta essencial para ajudar a criar essa atmosfera.


A trama se passa no início da década de 70, durante a Guerra Fria. Após a desastrosa ação em Budapeste, a cúpula do serviço secreto britânico, conhecida como Circus, perde seu líder, Control (John Hurt). Smiley, também dispensado na ocasião, aceita resignado seu novo destino e, melancolicamente, prepara-se para seguir sua vida quando é convocado a investigar para o governo a suspeita de um agente duplo no grupo. Com a ajuda de Peter Guillam (Benedict Cumberbatch), ele começa a desvendar as perigosas ligações entre os membros do MI6 e da KGB.

Para isso, ele se baseia no relato do agente Ricki Tarr (Tom Hardy), que se tornou persona non grata no Circus ao decidir não retornar depois de sua última missão ao se envolver com Irina (Svetlana Khodchenkova), numa sequência que remete imediatamente ao clássico de Hitchcock Janela indiscreta. A grande questão é: estaria ele falando a verdade ou seria ele outro britânico comprado pelos russos?


Nesse cenário de tons esmaecidos e personagens nebulosos, o tabuleiro de xadrez que contém os codinomes dos suspeitos de serem o traidor funciona como uma ótima metáfora para o filme: cada movimento de Percy "Tinker" Allelile (Toby Jones), Bill "Tailor" Haydon (Colin Firth), Roy "Soldier" Bland (Ciarán Hinds) e Toby "Poor man" Esterhase (David Dencik) parece decisivo para determinar quem é o vilão e quem é o mocinho. E assim, a cada nova informação recebida, "Spy" vai ligando os pontos. E o espectador é convidado a fazer o mesmo, a partir de importantes flashbacks que são cuidadosamente salpicados ao longo da história.

Diante de um elenco impecável (com destaque para Mark Strong, Colin Firth e Benedict Cumberbatch), é de se comemorar a indicação de Gary Oldman por um trabalho tão meticuloso, tendo em mãos um personagem tão introspectivo. A maior parte do tempo, o ator surge em cena sem grandes modificações do tom de voz, gestos largos ou mesmo variadas expressões faciais. Sua atuação é bastante estudada, calculada e executada em graus sutis. Mas basta um pequeno gatilho (a bebida ou uma grande decepção, só para citar dois grandes momentos de Oldman em cena) para perceber que toda a sisudez de Smiley é apenas o resultado de anos e anos de um trabalho complexo e, talvez em sua maior parte, de um coração partido.

 

No próximo post: Rango
Giselle de Almeida

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