Oscar 2012: Histórias cruzadas


Indicado nas categorias: filme, atriz (Viola Davis) e atriz coadjuvante (Jessica Chastain e Octavia Spencer)


Há quem acredite que para falar de racismo é preciso fazer um filme panfletário e quase documental, mas às vezes um drama de costumes consegue revelar muito mais sobre uma sociedade do que os dados frios dos livros de História. The help, que recebeu um título bem menos inspirado em português (Histórias cruzadas não traduz uma ideia fundamental, a de uma classe subalterna), parece seguir o segundo caminho, mas acaba tropeçando em alguns problemas estruturais. O primeiro deles é a quantidade de estereótipos que desfilam na tela, e é de surpreender, apesar disso, a qualidade do trabalho do elenco, essencialmente feminino (vide as três indicações). Outra dificuldade é a quantidade de açúcar despejada no longa, que desvia a atenção da luta pelos direitos civis para um ou outro relato de superação pessoal (esses que os americanos tanto amam).

Embora o nome de Viola Davis conste como atriz principal, muitas vezes o roteiro, baseado no livro "A resposta", de Kathryn Stockett, nos faz crer que tudo gira em torno de Skeeter Phelan (Emma Stone), uma jovem branca recém-formada que sonha ser jornalista e resolve escrever um livro que conta o ponto de vista das empregadas negras. No Mississipi dos anos 60, onde se desenrola a trama, a iniciativa não só é um escândalo que incomoda as donas de casa de classe média como se torna uma ameaça às poucas mulheres que resolvem contar episódios de suas vidas, marcadas por desigualdades e situações humilhantes, como a impossibilidade de usar o mesmo banheiro das patroas. O projeto só consegue sair do papel graças a Aibileen Clark (Davis), uma empregada doméstica que criou dezenas de crianças brancas mas amarga a ausência do próprio filho, e Minny (a divertida Octavia Spencer), que não leva desaforo para casa, embora seja refém da violência do marido.
 

Desde o início, Skeeter é apresentada como a única personagem branca com o mínimo de integridade. Ela é contra o racismo, diferentemente de sua mãe e de suas amigas, o que não deixa de ser estranho, já que a discriminação está arraigada na cultura (e na legislação) do estado e infiltrada em todos os seus círculos sociais. Por acaso, ela é a única com um pouco de bom senso no meio de um mar de gente que não vê problema discriminar um outro ser humano por causa da cor. E, apesar de as próprias empregadas rejeitarem inicialmente esse engajamento ("Nós não precisamos da ajuda de um branco"), é ela quem, num passe de mágica, consegue transformar a mentalidade de algumas distintas senhoras da cidade de Jackson. Inclusive sua mãe. Para completar o tom de conto de fadas, o desfecho lacrimoso valoriza bem mais as vitórias e derrotas da própria Skeeter em detrimento da conquista das empregadas negras.

Fazendo um contraponto à heroína Skeeter, Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard, um tom acima, como pede o roteiro e a direção) é a personificação de toda a maldade da sociedade. Enquanto as outras mulheres brancas são retratadas como fúteis, ela faz questão de humilhar "as pessoas de cor" e nem disfarça sua intolerância. Fica claro desde o início o esforço para transformá-la numa personagem detestável, a bruxa desse conto de fadas. Mas se suas atitudes são cruéis (não mais do que as de todos que compartilham de seu preconceito), sua "punição" é apenas cômica. Até mesmo a personagem de Jessica Chastain, Celia Foote, um peixe fora d'água naquela sociedade, soa artificial em muitos momentos.


Nesse cenário de papéis bem definidos de bem contra o mal, cabe a Viola Davis a tarefa de trazer ao filme um pouco do realismo necessário para que a plateia se envolva com a história, se interesse pelo assunto e se emocione. Sua Aibileen consegue ser uma mulher amorosa mesmo com tanta mágoa, educada mesmo sendo tão maltratada, e confiante mesmo depois de tantas peças que a vida lhe pregou. Nem o mais insensível espectador fica indiferente à relação que ela constrói com a pequena Mae Mobley (Eleanor/Emma Henry), a quem tenta criar como uma pessoa melhor que seus pais. E o mantra que ela faz a menina repetir parece servir como um lembrete para ela própria: "Você é gentil, você é inteligente, você é importante". Mais do que isso. Ela é de verdade.

 

No próximo post: A separação
Giselle de Almeida

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