Oscar 2012: O artista


Indicado nas categorias: filme, diretor (Michel Hazanivicous), ator (Jean Dujardin), atriz coadjuvante (Bérénice Bejo), roteiro original, trilha sonora original, fotografia, figurino, direção de arte e montagem


"As pessoas querem carne fresca, e o mundo nunca está errado". A frase, dita pelo diretor do filme dentro do filme sugere que o público só tenha olhos para o novo. Mas O artista está aí para provar que uma volta ao passado pode ser mais saudável que a corrida desenfreada pela novidade pura e simples. Numa época em que antigos clássicos são relançados em 3D apenas para gerar lucros, voltar às origens do cinema parece ser um tiro no pé da própria indústria. Um filme mudo e preto e branco? Não me espanta que essa descrição afugente plateias carentes de curiosidade e boa vontade. É preciso reconhecer: a iniciativa merece aplausos, ao menos pela coragem.

A metalinguagem começa já na primeira cena, onde Jean Dujardin é George Valentin em cena de uma produção de sucesso na época. Após ser ovacionado em um grande teatro, ele encontra, por acaso, a jovem e misteriosa Peppy Miller (Bejo), aspirante a atriz. Pouco tempo depois de o destino mexer seus pauzinhos, os dois se reencontram no set: ele, o astro principal; ela, uma integrante do elenco de apoio. A atração entre os dois é imediata e inegável, mesmo ele sendo casado. Não demora para que Valentin ensine à colega os truques para se tornar uma estrela - é ele, inclusive, que cria a falsa pinta que se tornaria a marca registrada dela. Mas o surgimento do cinema falado consegue abalar esse relacionamento e a própria carreira do ator, que se recusa fortemente a aceitar que seu trabalho pode vir a ser considerado obsoleto. A partir daí, tem início o grande drama do astro em decadência, que precisa escolher entre manter o orgulho ou aceitar as mudanças.


O fato de ser um filme sobre o cinema diz muito sobre o projeto. Reverente, o diretor Michel Hazanivicous usa o som apenas em dois momentos indispensáveis e abusa da trilha sonora incidental, que ajuda a criar o clima desejado, seja ele romance, drama ou comédia. Cuidadoso (do tipo que enquadra um letreiro onde se lê "Lonely star" numa das cenas mais solitárias e comoventes do protagonista), ele também escolheu a dedo as cartelas que aparecem com parcimônia ao longo da produção: na sequência mais tensa da história, é ela quem garante o suspense necessário. Além disso, não deixa de ser curioso que o destaque do elenco coadjuvante, que tem boas performances de James Cromwell, Penelope Ann Miller e John Goodman, seja de alguém que não fala. O cãozinho Uggie rouba toda cena em que aparece.

Carismático, Jean Dujardin parece ter capturado perfeitamente o espírito do cinema mudo. O francês é caricato na hora certa, propositalmente, mas também consegue ser sutil quando o papel exige. Sem falar que sua caracterização, apesar de simples, consegue transformá-lo num astro da década de 20 com um bigode e um pouco de gel no cabelo. Basta olhar uma foto sua recente para notar: parece outra pessoa! Já Bérénice Bejo, apenas correta, é bem menos expressiva, embora sua atuação não compremeta mesmo nos momentos mais dramáticos. Ela não faz feio ao formar par com Dujardin, mas fica claro que quem brilha em cena é ele.


Só é uma pena que o máximo de ousadia de O artista esteja na forma - e isso já não é pouca coisa. Mas seria tão mais proveitoso se o conteúdo fugisse do drama tradicional: no fim das contas, o enredo parece um mero tributo a esse antigo modo de fazer cinema. A intenção é boa, mas outras produções já tiveram a mesma ideia e foram mais felizes no resultado (o clássico Cantando na chuva não nos deixa mentir), inclusive com mais acidez e ironia. Lembrar o passado é sempre saudável, mas a base do bom cinema sempre foram as boas histórias. E, nisso, não há limite para ousar.

 

No próximo post: A Dama de Ferro
Giselle de Almeida

Nenhum comentário: