We need to talk about Kevin, de Lynne Ramsay. Com Tilda Swinton, John C. Reilly e Ezra Miller.
O argumento do livro que deu origem ao filme já é um soco no estômago. Quem é que imagina o autor de um massacre, acontecimento infelizmente tão comum nas escolas americanas e recentemente reproduzido num subúrbio carioca, como um ser humano? Mais fácil tachá-lo de monstro, de desalmado, de qualquer nome feio que lhe venha à cabeça na hora da tragédia. Normal reagir assim. Mas é mais aterrador ainda pensar que um sujeito capaz de tamanha atrocidade tenha tido uma família, um lar amoroso, educação, como eu e como você. São psicopatas, alguém vai dizer, pessoas sem sentimentos, mentes transtornadas, espíritos possuídos. Talvez. Mas mesmo que uma dessas teorias seja verdadeira, a verdade é que todos só se dão conta do que estava diante dos olhos quando já é tarde demais, quando há sangue derramado e quando não há arrependimento que seque tantas lágrimas.
Conduzido com competência e sensibilidade, We need to talk about Kevin, na verdade, é sobre a tensa relação entre o garoto e sua mãe, Eva, vivida pela sempre excelente Tilda Swinton, numa interpretação que tem cheiro de indicação ao Oscar. Desde que o filho era apenas um bebê, já demonstrava que ia dar trabalho. O choro incessante, estridente e enlouquecedor era menos insuportável que o barulho de uma britadeira. Zero de sossego, zero de laços maternais, zero de amor incondicional. Há algo de errado, e ela sabe disso. Os anos passam, e a situação só piora. A criança, já em idade de falar, não consegue se expressar verbalmente. Ou não quer, o que é um péssimo sinal.
É um menino de personalidade forte, que não cede a nenhuma das investidas dela, na tentativa de se aproximar. A distância entre eles fica sempre muito nítida, mas é reforçada lindamente numa rápida alternância de planos entre os dois, num dos vários flashbacks que a história apresenta. Mãe e filho, um de frente para o outro, em silêncio, com seus corpos ligeiramente voltados para fora, tanto na sala de estar quanto na sala de visitas do reformatório. Sinal claro de falta de comunicação, que veio desde a tenra infância até a idade adulta. Não houve grandes mudanças desde então. Nesse ponto, é preciso dizer que a escolha do elenco para viver o protagonista em diferentes fases e a direção de atores não poderia ter sido mais acertada. Além de parecidos fisicamente, Rock Duer (o mais novo), Jasper Newell e Ezra Miller (fase adulta) conseguem nos convencer de que são a mesma pessoa, num papel bem difícil, que precisa despertar o interesse do público na mesma proporção com que causa repulsa.
Aos poucos, o que parecia ser algum distúrbio vai tomando ares de capricho com requintes de crueldade à medida que Kevin vai crescendo. Ao mesmo tempo em que repudia Eva, seu relacionamento com o pai, Franklin (John C. Reilly), é excelente. Marido exemplar, ele não entende a reação da mulher em relação às atitudes cada vez mais hostis do filho, levando o casamento para uma crise aparentemente insolúvel. Nem mesmo a chegada da irmã mais nova, Celia (a fofa Ashley Gerasimovich) consegue aliviar o clima. Ao contrário, é motivo de ainda mais preocupação. Usando eficientes elipses, Lynne Ramsay prefere apenas sugerir que o agora adolescente possa ter machucado a menina, e o resultado consegue ser ainda mais inquietante: a simples suspeita já causa revolta no espectador. Assim como o massacre não precisa ser mostrado para entendermos que estamos diante de uma tragédia para as famílias das vítimas e para a família do assassino.
Não é difícil entender o sofrimento dessa mãe, que mesmo depois de ter presenciado tudo isso (e tudo mais que o final perturbador nos reserva) e de sofrer todas as consequências dos atos que não cometeu, ainda vai visitá-lo depois de preso. São muito simbólicas as várias cenas em que a cor vermelha aparece durante a projeção, em especial a que ela tenta lavar a tinta que algum vizinho revoltado sujou sua casa. O close das mãos vermelhas é extremamente forte e significativo: suas mãos estão sujas de sangue. É assim que ela, Eva, nomeada como a mulher que cometeu o pecado original que deu origem a todos os males do mundo, se sente: responsável. É por isso que ela não reage quando leva um tapa na cara ao tentar seguir com sua vida: "É minha culpa". É por isso que até hoje ela carrega consigo a pergunta que nós também fazemos quando vemos uma notícia como essa nos jornais: "Por quê?". A resposta, obviamente, nunca será satisfatória.
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