Festival do Rio 2011: George Harrison, U2 e Ray Charles


Cumprindo promessa feita no ano passado, investi novamente em documentários na minha programação do festival desse ano. Coincidência ou não, todos musicais. Verdade seja feita, para a lista ficar completa, deveriam entrar aí Pearl Jam Twenty, As canções e Raul - O início, o fim e o meio. Sempre sofro com essas ausências, mas ainda não desenvolvi o poder da onipresença. Se alguém tiver tempo sobrando aí e quiser negociar, estamos à disposição. Finito o chororô, vamos aos comentários sobre os docs.


George Harrison: Living in the material world, de Martin Scorsese

Belo e emocionante retrato do ex-beatle. Era tanta história para contar, que Scorsese fez um filme de três horas de duração, dividido em duas partes. Mas o tempo passa num piscar de olhos diante de tantas entrevistas boas e de valiosas imagens de arquivos. Contando com ótimos depoimentos do próprio George e de amigos do músico, o diretor consegue traduzir com sensibilidade um pouco o que o músico pensava sobre a fama, os companheiros de banda, as mulheres, a música, a espiritualidade. Rimos quando Eric Clapton fala sobre o que passou na cabeça dele quando foi cogitado integrar os Beatles e vamos às lágrimas quando Ringo lembra as últimas palavras do amigo, que morreu de câncer em 2001. Imperdível.


U2: From the sky down, de Davis Guggenheim

Outro excelente documentário exibido no festival, o filme narra os bastidores da produção do álbum Achtung baby, que está comemorando 20 anos e que marca uma virada na carreira da banda, num momento em que a separação era uma possibilidade bastante concreta. Impressiona pela sinceridade e pelo bom humor dos depoimentos da banda. Bono, Adam, Larry e The Edge riem de si mesmos, fazem autocríticas, reconhecem erros e acertos e provam que artistas de verdade precisam estar sempre se renovando. O sucesso que fazem até hoje não é à toa. Além disso, acompanhar o processo de criação do grupo é um deleite para os fãs.


Rock Brasília, Era de ouro, de Vladimir Carvalho

Registro mais do que necessário sobre as principais bandas surgidas em Brasília na década de 80: Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude. Curioso como aqueles moleques, que viraram punks depois de passarem a ouvir Sex Pistols e começarem a tocar nos corredores da UNB, deram início a um fenômeno duradouro, apesar de despretensioso. Vale muito pelas entrevistas, sinceras e divertidas com os representantes desse movimento, como o de Philippe Seabra, da Plebe, que, em certo ponto da carreira, questionou as impiedosas regras que o showbiz impõe ao ver os Titãs "tocando num programa de TV ao lado de um papagaio". Os senões ficam por conta do formato tradicional até demais, sem maior preocupação criativa quanto à estética (uma animação é usada timidamente só em um ponto da produção), o que dá ao filme a cara de uma grande reportagem.


Ray Charles America, de Alexis Manya Spraic

Ao contrário do anterior, esse documentário é cuidadoso no visual e vazio de conteúdo. Com o objetivo de identificar o trabalho do artista com uma certa identidade americana, a diretora se apoia na obra do homenageado (literalmente, já que as canções são tocadas quase que ininterruptamente, num volume que quase se sobrepõe aos depoimentos) e o clima é de oba-oba, só com gente famosa falando, quando, na verdade, são entrevistas como a do seu camareiro que nos interessam: ele diz que o artista conhecia de cor todos os seus ternos, que eram devidamente numerados. "Se eu lembro as notas de duas mil músicas, posso lembrar cem ternos", dizia ele, que aprendeu a tocar graças à excelente memória, já que não conseguia ler as partituras. O espectador sente falta de histórias curiosas, que dão sabor a um filme como esse. Dizer que Ray era um gênio ou que seu talento venceu o preconceito é chover no molhado.
Giselle de Almeida

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