Festival do Rio 2010: realidade x ficção


Eu sei, estava devendo um post sobre o Festival do Rio. Não estou mais. Foi dada a largada :)

Se o grande trunfo de VIPs é Wagner Moura, o de Histórias reais de um mentiroso é o próprio Marcelo Nascimento da Rocha, um golpista como eu achava que só Hollywood seria capaz de produzir. As duas obras exibidas no Festival do Rio são sobre a vida do espertinho que se fez passar por dono da Gol no Recifolia, baterista do Engenheiros do Hawaii, olheiro da seleção brasileira e até líder do PCC na cadeia. Mas se o longa ficcional de Toniko Melo diverte, com umas boas tiradas do roteiro aqui e ali e, principalmente, pela atuação do protagonista, o documentário de Mariana Caltabiano (autora do livro que deu origem aos filmes) é simplesmente hilário do começo ao fim. E não é porque a diretora optou por uma edição esperta, narração em primeira pessoa e o largo uso de animações engraçadinhas ou até algumas alfinetadas nos envolvidos na história. O mérito é mesmo a matéria-prima: nenhum roteirista poderia ser tão criativo quanto o próprio Marcelo, um picareta com P maiúsculo, mas dono de uma lábia impressionante.

Marcelo é um cara que adora aparecer. Ele diz que não se arrepende do que fez, e dá pra acreditar pela cara que ele faz ao contar seus causos. Tem ali um misto de orgulho de ter conseguido enganar as pessoas e  o deslumbramento com a fama conseguida com todos os seus golpes. Sem falar que ele tirou muita onda: como policial, piloto (pelo menos isso ele sabia fazer de verdade), artista ou bandido, ele sempre conseguiu, nem que fosse por uns dias, viver uma vida de bacana, por isso o VIPs lá do título. Os depoimentos das pessoas enganadas por ele são de chorar de rir. Só no episódio do Recifolia, Marcelo deu (mais de uma) entrevista ao vivo para  Amaury Jr., dono de um dos maiores micos televisivos de que eu já tive notícia. Ricardo Macchi não só caiu no papo furado do cara, como virou amigo e, involuntariamente, ajudou a passar a mentira adiante.

Como a própria mãe do falsário afirma no documentário: "De dez coisas que o Marcelo diz, 11 são mentiras". Mesmo que tudo seja confirmado por testemunhas, reportagens de jornal e TV, no fundo resta aquela dúvida: será que o que ele está dizendo nesta entrevista é mesmo verdade? Em se tratando de um personagem com um histórico como o dele, a pergunta é mais que pertinente. Imagina se ele não está aumentando uma coisinha aqui, floreando outra ali e até inventando uma história do começo ao fim? Isso me lembrou muito o excelente Jogo de cena, de Eduardo Coutinho. Claro que isso não é voluntário no filme de Mariana. Em nenhum momento, o que ele diz diante das câmeras é questionado pela diretora (que dá uma escorregada feia no final do filme, a meu ver, ao fazer uma ligação forçada de um assunto pessoal ao personagem). Mas que essa pulga atrás da orelha aumenta ainda mais a graça do filme, ah, aumenta.

Outra coisa boa de ter visto o filme foi assistir ao curta exibido antes, Dois mundos, de Thereza Jessouroun, sobre deficientes auditivos que voltaram a ouvir com a ajuda de aparelhos ou implantes. Muito bem feito e conduzido com muita sensibilidade, com ótimos depoimentos como o de um rapaz que trabalha numa boate de transformistas como recepcionista. Seu sonho mesmo era ser artista, dublando as músicas em cima do palco. Mas ele não é um frustrado. "Deus, quando me fez, quis que eu fosse surdo. Mas eu tenho olhos lindos, está ótimo", diz ele. Lindo, não é? Pena que no circuito comercial ainda não adotaram esse sistema de curta + longa. Daria muito mais visibilidade a novos diretores que estão surgindo por aí.

Esta foi a edição do Festival a que assisti mais documentários, e gostei da experiência. Vou adotar daqui pra frente. Outro da leva foi o alemão Rock Hudson - belo e enigmático, de Andrew Davies e André Schäfer. Confesso que só vim conhecer o ator graças ao filme Tudo que o céu permite, que vimos semana passada no DVD, sofá e pipoca. Apesar de resvalar em muitos momentos no sensacionalismo, foi interessante para mim, que não conhecia nada sobre o artista. O filme conta um pouco de sua carreira, mas foca mesmo em sua vida pessoal: homossexual não assumido, ele morreu aos 60 anos,  em 1985, vítima de complicações da AIDS, numa época em que a doença era sinônimo de morte. Um dos grandes ídolos de Hollywood na chamada Era de Ouro, na década de 50, Hudson foi a prova de que o preconceito não escolhe suas vítimas. Entre outras histórias, ficamos sabendo que nem as enfermeiras queriam encostar nele e que uma amiga teve que fretar um 747 para levá-lo da França, onde estava sendo tratado, aos EUA. Triste, mas é verdade.

É Candeia, de Márcia Watzl, foi uma decepção. A sensação que eu tive ao sair do cinema, foi de que eu só tive informações de segunda mão sobre o sambista. Explico: grande parte do documentário retrata os bastidores e a encenação do musical "É samba na veia", sobre a vida e a obra do artista. Todas as músicas executadas são interpretadas pelos atores durante a peça. Os únicos não envolvidos com o espetáculo que foram entrevistados foram seus filhos. Oi? E cadê os portelenses ilustres? Os compositores da antiga? Gente que conviveu com Candeia, que tem histórias a contar? Imagens de arquivo, então, nem pensar. Material pobre, edição preguiçosa, o resultado é um filme fraco, que ficou devendo muito à memória do homenageado.
Giselle de Almeida

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