Oscar 2011: Exit through the gift shop


Indicado na categoria: documentário (longa-metragem)

Banksy, o artista sem rosto

Antes de tudo, uma observação: o documentário de Bansky pode não ser um documentário. Aliás, tem toda a pinta de que não é. Então porque tanto burburinho? Porque é genial. Em teoria, o filme fala sobre um francês maluco que mora em Los Angeles que se aventurou a filmar sem cansar os bastidores da chamada street art, incluindo o próprio Banksy. Mas o protagonista é tão bom, tão bom, que não dá para acreditar que seja real. O que só torna o filme muito mais divertido: ácido na medida certa, faz uma interessante reflexão sobre o papel da arte hoje em dia (ou nas últimas décadas?).

Segundo o filme, Thierry Guetta tinha uma certa obsessão por câmeras. Primo de um artista de rua conhecido como Space Invader, ele resolveu deixar a família de lado e gastar seu tempo acompanhando o trabalho do cara de madrugada. O motivo? Nem ele sabia. Começou com o primo, depois com o amigo do primo, e aí o amigo do amigo do primo. Até que o francês consegue reunir um material inédito e muito legal sobre esse pessoal anônimo, que está sempre prestes a ir pra cadeia. Mas Guetta não se dá por satisfeito e cisma de entrevistar Banksy, o inglês que fascina tanto pela qualidade das obras quanto pelo ar de mistério que envolve sua identidade. Considerado inacessível, um belo dia ele surge, coincidente ou convenientemente, na vida do nosso protagonista sem-noção. E, surpresa das surpresas, se deixa filmar - sem mostrar o rosto, claro.

Mr. Brainwash: verdade ou invenção?
Claro que depois de tanto tempo de convívio, a relação entre os dois vira uma espécie de amizade, e Guetta quase vai preso por ajudar o inglês numa de suas intervenções. Mas o grande barato é o rumo que a história toma dali em diante: o cara que tem não sei quantas mil horas de material gravado se revela um péssimo cineasta e toma o gostinho pela arte de rua, proclamando-se a partir de então Mr. Brainwash. De observador, ele vira personagem - e o melhor exemplo que se poderia imaginar para discutir arte nesse filme. A começar pela própria questão da identidade do artista. No grafite, por motivos óbvios, o artista não mostra o rosto nem tem reconhecimento. Enquanto Banksy "abre mão" da fama para continuar criando no anonimato (e na clandestinidade), Guetta/Mr. Brainwash quer os holofotes.

Em certo momento, o inglês diz que incentivou Guetta a lançar logo o documentário que ele dizia estar preparando, já que a street art estava ganhando um novo status. Grafiteiros como ele estavam conquistando espaço em galerias e chamando atenção de colecionadores. Seus trabalhos valiam vários milhares de libras em leilões, viraram objetos consumíveis e muito lucrativos. Como qualquer obra de arte, aliás. Mas, como ele mesmo afirma: "Não se trata de fama, não se trata de dinheiro". E é justamente nesse ponto que o documentário quer chegar. O título, inclusive, é uma crítica a essa postura do consumo puro e simples: quem não quer levar pra casa uma lembrancinha? Basta pagar.

Andy Wahrol revisitado
A arte de rua é pop, mas não precisa ser vazia. É repetitiva porque quer atingir um grande número de pessoas, sem os veículos de comunicação de massa. E faz sucesso porque as pessoas gostam, não porque está emoldurada nem foi selecionada por algum curador com doutorado em sei lá o quê. A arte de Banksy e outros tantos está à disposição de quem quiser ver, não é preciso pagar entrada, não é preciso anos de estudo para compreendê-la. É livre. Aí vocês vão dizer que o artista também precisa se sustentar, é o ofício dele, sua profissão, ora bolas. Concordo plenamente. Cada obra tem seu valor, mas quem determina esse valor? Baseado em quê? Sem falar que arte não precisa virar objeto de especulação. Uma cena ilustra isso perfeitamente: Guetta acrescenta um simples tapa-olho a uma reprodução da Mona Lisa e... voilà, o preço da pintura sobe assustadoramente, assim como as peças antigas da Adidas que ele revendia em sua loja vintage quando se mudou para LA. "É como ouro", comemora ele. Faz ou não faz você se sentir meio trouxa?

É tudo tão irônico que uma de suas obras que ganha mais destaque na exposição (e na capa da "LA Weekly") é uma intervenção na famosa lata de sopa Campbell de Andy Wahrol. Guetta faz a cópia da cópia, e as pessoas acham que ele é original. Mas quem é, não é verdade? E o faz sem conhecimento nem autoridade, contratando profissionais a esmo para executar o serviço em escala comercial. Mas vamos parar para pensar um pouco: se Banksy criou tudo isso para criticar a repetição, o consumismo, a superficialidade, não estaria ele criticando a si mesmo, que faz a mesma arte com estêncil nos muros de Londres, nos Estados Unidos ou em Israel? Sim. Impossível ficar imune ao próprio veneno. Mas não se preocupe, todas essas discussões passam longe do didatismo ou do pedantismo. Ao contrário, o filme é muito divertido. É por isso que, se fosse mesmo um documentário, Exit through the gift shop seria ótimo. Não sendo, é melhor ainda. Imperdível.


No próximo post: Inverno da alma
 
Giselle de Almeida

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