Oscar 2015: Relatos Selvagens


Indicação: filme estrangeiro


O boca a boca em torno de Relatos Selvagens já era um bom sinal: todos os comentários que ouvi sobre o filme eram positivos. Sucesso estrondoso em sua terra natal, o longa ressuscita mais uma vez a lenda de que o cinema argentino é melhor que o brasileiro - coisa que se ouve quando um Medianeras ou O Segredo dos Seus Olhos estoura por aqui. Claro que é exagero, porque o cinema nacional e o portenho oscilam entre produções boas e ruins. Mas o que mais me chamou a atenção foram os elogios (unânimes até agora) a um filme antológico, problemático por sua própria natureza. 

Com várias pequenas histórias, é praticamente certo que a obra sofra com alguma irregularidade. E é aí que entra o brilhantismo do autor e diretor Damián Szifron, responsável por todos os contos, que consegue manter o alto nível com tramas sólidas e perspectivas bastante originais. A escolha do tema - a selvageria que emana quando o indivíduo é levado ao limite, impulsionada pelos mais diferentes motivos - mantém o interesse do espectador até o último minuto. Isso porque coloca os personagens em situações corriqueiras e, ao mesmo tempo, inusitadas. Identificação e surpresa, a fórmula ideal das boas histórias. 

Nos seis curtas, é possível identificar três formatos distintos: os dois primeiros apostam em uma história curta e explosiva. No caso de Pasternak, que se passa a maior parte do tempo dentro de um avião, o resultado final é uma boa dose de humor negro, que vem como um cruzado de direita quando a trama, inicialmente até banal demais, ganha ares de comédia nonsense. Já uma ironia melancólica dá o tom da segunda história, Las Ratas, protagonizada por uma garçonete, abalada ao reencontrar uma figura ameaçadora de seu passado. Como a tensão é forte, o alívio vem de forma proporcional, quase uma catarse.

Enquanto as duas caem redondinhas, Bombita e La Propuesta deixam o ritmo cair em sequências mais longas e, consequentemente, mornas. A história de Ricardo Darín talvez seja a mais fraca, por estender demais a apresentação das motivações do personagem: quando o engenheiro, enfrentando problemas corriqueiros, na família e no trabalho, chega ao seu limite, já sabemos exatamente o que vai acontecer. E o final, mais doce que os demais, deixa o curta um tanto deslocado das outras propostas.


La Propuesta também prolonga sua ação ao extremo, diluindo a tensão construída com planos interessantíssimos: a elaborada abertura mostra apenas um BMW entrando na garagem com uma placa ensanguentada, mas fornece toda a informação de que precisamos sem um único diálogo e a maior dramaticidade possível. Em seguida, descobrimos que o atropelamento deixou vítimas fatais e que o culpado não sabe bem como lidar com a responsabilidade. No entanto, o bom dilema principal se estende demais, enveredando por uma subtrama menos interessante, de novo dando ao espectador a chance de antever seu final.

Mesmo com essas ressalvas, Relatos Selvagens tem mais altos do que baixos e fica bem acima da média de outras coletâneas do gênero, especialmente por conta de duas histórias que, por si só, valem o ingresso. Em El Más Fuerte, Leonardo Sbaraglia passa por um aperto numa estrada deserta, no meio do nada, até reencontrar um motorista que havia ultrapassado há algum tempo. O cenário poeirento e a música de Gustavo Santaolalla não dão nenhuma pista do que vem adiante: cenas que vão do terror à comédia num piscar de olhos, revelando um pouco da natureza competitiva, patética e violenta do ser humano, não necessariamente nessa ordem. Quanto mais absurda a situação, mais divertido e mais tenso se torna o curta.

Hasta Que La Muerte nos Separe, que encerra o longa, também dribla bem a longa duração com diversas alterações no tom: uma festa de casamento que não sai exatamente como a noiva vivida por Érica Rivas planejaram termina numa noite que os noivos não vão esquecer, levando o público a gargalhadas, lágrimas e a alguns segundos de apreensão aqui e ali. Uma possível traição é a fagulha suficiente para detonar sucessivas explosões de raiva, mágoa e ofensas entre o casal e os convidados. E o desfecho inesperado acrescenta ainda mais nuances à selvageria que o filme se propõe a contar.

Sim, somos animais. atacamos ao nos sentirmos acuados, somos paralisados pelo medo, disputamos território, somos instinto e nem sempre razão. Mas essa é a comparação mais óbvia. Num prisma maior também somos "aprisionados" por convenções sociais, padrões pré-estabelecidos, procedimentos burocráticos, um sistema falho, corrupto e obsoleto. E nesse contexto só sobrevive o mais forte.

No próximo post: A Teoria de Tudo
Giselle de Almeida

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