Oscar 2014: O lobo de Wall Street


Indicado nas categorias: filme, diretor (Martin Scorsese), ator (Leonardo DiCaprio), ator coadjuvante (Jonah Hill) e roteiro adaptado


Debochado talvez seja o melhor adjetivo para definir O lobo de Wall Street. No novo filme de Martin Scorsese, que reconta a história real do ex-corretor da Bolsa de Nova York Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio), tudo é filmado com lente de aumento. A escolha, ao contrário do que pregam os mais moralistas, está longe de exaltar a conduta do protagonista, que fez fortuna passando para trás gente inocente e hoje ganha a vida dando palestras motivacionais. Ao contrário: ao expor ao ridículo muitas situações vividas pelo personagem, o longa leva o espectador a questionar as escolhas duvidosas de Belfort para alcançar a prosperidade, esse fim tão desejado e incentivado pela cultura americana (e a capitalista, de um modo geral). Tudo vale mesmo a pena?

A pergunta fica no ar desde o início, quando o chefe do então novato corretor explica a ele o segredo do negócio: o dinheiro dos investidores é ilusório, a comissão dos vendedores é real. A cena é incrível não apenas pela atuação inspirada e hilária de Matthew McConaughey (que brilha em poucos minutos de tela), mas pelo ar de ingenuidade de Belfort diante daquele mundo novo. Reparem bem na hesitação, na surpresa e até na aparência mais jovem de DiCaprio. Tudo isso acaba no primeiro telefonema para um cliente, quando o monstro da ganância começa a mostrar suas garras.


Dono de uma lábia impressionante, o protagonista sobrevive ao primeiro grande golpe da carreira e recomeça do zero, ao lado de parceiros nada convencionais, tão habilidosos quanto ele na arte de enganar os clientes. Entre eles, Donnie (Jonah Hill, numa performance competente). Os negócios prosperam a um nível tão obceno quanto as cenas que se veem a seguir: drogas, mulheres, dinheiro, tudo é em excesso. Funcionários sendo humilhados em troca de um prêmio tentador ou anões sendo arremessados dentro do escritório fazem parte do mesmo pacote de bizarrices que inclui os empregados da Stratton Oakmont agindo como primatas. E os discursos inflamados de Belfort podem soar como os de um comandante liderando seu exército diante do campo de batalha, de um político imbuindo a sala com sua ideologia ou mesmo de um líder religioso conclamando seu rebanho. O fato é que seu poder de convencimento o engrandece não só aos olhos dos outros, mas a si próprio.

O império, no entanto, é construído a um preço: o fim do casamento de Belfort, o prejuízo de muitos desavisados e a perda da dignidade de todos os envolvidos. O único empecilho no caminho do golpista parece ser o agente do FBI Patrick Denham (Kyle Chandler), que, curiosamente, é introduzido aos poucos na trama. O recurso revela a ameaça, mas permite que a narrativa foque na trajetória do personagem principal - e ainda evita que o filme caia na mesma estrutura de gato e rato de outros longas como Prenda-me se for capaz (também estrelado por DiCaprio). Aqui, o ritmo é outro: o corretor vai se enrolando na própria teia e, quando se vê sem saída, usa a linguagem que conhece, a do dinheiro. O enfrentamento dos dois é sutil, mas poderoso: por baixo de mil subterfúgios, fica clara a tensão entre a arrogância de um versus a determinação do outro. E a cena final do agente Denham faz referência direta a essa sequência, tornando seu "heroísmo" ainda mais contundente.


Embora o longa seja recheado de humor mesmo em momentos mais tensos na vida de Belfort (como a divertida passagem em que uma overdose de remédios antecede sua prisão), sua derrocada gera alguns bons confrontos dramáticos. E é aí que a escolha de Margot Robbie para o papel de Naomi surpreende: ela cai como uma luva no papel da loura gostosa e fútil, mas é convincente também nas cenas mais difíceis. Encurralado, o protagonista se encontra na difícil posição de escolher a liberdade ou a lealdade aos seus parceiros de falcatruas. Qualquer semelhança com Os bons companheiros (um dos grandes sucessos da carreira de Scorsese) não é mera coincidência: além de levantar uma questão moral, a comparação coloca no mesmo nível mafiosos e especuladores financeiros. Quer crítica maior que essa? Precisos, roteiro e direção ganham mais força ainda com a entrega absoluta de DiCaprio ao projeto (que ele também produziu). No fim, é difícil lembrar daquele jovem ingênuo e deslumbrado do início da projeção: Belfort é outra pessoa, ganancioso ao extremo, na verdade, mais viciado em dinheiro e poder do que drogas ou mulheres. Pela lógica capitalista, ele foi um vencedor. Mas será que tudo vale mesmo a pena?



No próximo post: Frozen - Uma aventura congelante
Giselle de Almeida

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