Indicado nas categorias: ator (Joaquin Phoenix), ator coadjuvante (Philip Seymour Hoffman) e atriz coadjuvante (Amy Adams)
Há quem reduza O mestre a uma crítica à cientologia. É uma leitura possível, já que A Causa, seita do longa de Paul Thomas Anderson, apresenta algumas semelhanças com a que se tornou famosa e polêmica graças a sua popularidade em Hollywood. Mas é só olhar com atenção para se enxergar ali uma crônica do pós-guerra, o questionamento de todo e qualquer fanatismo e uma reflexão sobre a eterna angústia dos indivíduos sobre a própria existência. Parece megalomaníaco, mas não é. Porque tudo isso está nas estrelinhas da tensa relação entre os personagens de Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman (o mestre que dá título à produção), o verdadeiro fio condutor da narrativa. Conforme a trama se desenrola, vemos que a transformação que um causa na vida do outro não respeita exatamente a hierarquia de pupilo e mestre. E o efeito é potencializado ainda mais por causa da atuação soberba dos dois atores.
Antes mesmo de a Segunda Guerra Mundial terminar - o que significava voltar para casa sem nenhuma perspectiva -, o marinheiro Freddie Quell (Phoenix) já demonstrava sinais claros de desequilíbrio. Alcoolismo e agressividade são traços que logo se destacam e revelam um pouco de sua personalidade: frágil, inseguro, descontrolado, obsessivo. Justamente por isso, não demora muito até ele se tornar alvo dos estudos de Lancaster Dodd (Hoffman), o líder de um seleto grupo de seguidores que aceitam participar do "processo". Em busca de respostas existenciais, de solução para traumas do passado e de uma fórmula para conseguir o controle da própria vida, eles se dedicam a fazer regressões a vidas passadas e seguir os preceitos ditados pelo mestre.
O conflito se estabelece quando Quell se torna mais que um simples seguidor e é adotado quase como um novo membro da família. Embora seja acolhido pelo líder, sofre rejeição de Peggy Dodd (Amy Adams), figura intrigante por aparentar submissão ao mesmo tempo em que gosta de exercer controle sobre o marido e a própria Causa. É ela quem questiona a presença do ex-militar em sua casa, justo quando ele se transforma num dos principais defensores da seita, a ponto de agredir qualquer pessoa que ouse fazer críticas à ideologia ou aos livros escritos por Dodd.
Os métodos utilizados no "tratamento" de Quell e a uniteralidade do pensamento do líder religioso incomodam - note que a palavra cura, que lhe confere poderes messiânicos, é usada algumas vezes durante o filme. Mas Anderson reforça essa sensação desconfortável, que o próprio discurso evidencia, ao nos forçar a acompanhar o tal processo repetida e exaustivamente. Mas o exercício aqui, mais interessante do que tripudiar de cientologia ou qualquer outro pensamento fanático, é observar a relação de poder e dependência que se estabelece entre os personagens. Se o álcool, as mulheres e a violência funcionavam como bengala para Quell (e continuaram funcionando), a seita apenas engrossou essa lista. Já o mestre desenvolve uma obsessão por seu objeto de estudo, que vai além do carinho de professor ou pai: o jovem é um animal a ser domado, uma anormalidade a ser consertada, uma imperfeição a ser corrigida.
Amy Adams, que transita bem entre filmes comerciais e autorais, mostra uma maturidade espantosa em cena. Sua Peggy é severa, autoritária, ambiciosa e parece mais velha do que realmente é, e o grande trunfo da atriz é fazer um trabalho contido. Hoffman se sai bem na difícil tarefa de encarnar um líder carismático e incrivelmente persuasivo, mas é no jogo psicológico de seu personagem com Quell que ele realmente ganha a plateia. E Phoenix tem em mãos um dos grandes papéis de sua carreira, que lhe permite demonstrar um repertório variado de emoções em intervalos curtos de tempo - todos igualmente emocionantes. Difícil imaginar o mesmo filme sem esse trio. Ponto para Paul Thomas Anderson.
No próximo post: O lado bom da vida
Há quem reduza O mestre a uma crítica à cientologia. É uma leitura possível, já que A Causa, seita do longa de Paul Thomas Anderson, apresenta algumas semelhanças com a que se tornou famosa e polêmica graças a sua popularidade em Hollywood. Mas é só olhar com atenção para se enxergar ali uma crônica do pós-guerra, o questionamento de todo e qualquer fanatismo e uma reflexão sobre a eterna angústia dos indivíduos sobre a própria existência. Parece megalomaníaco, mas não é. Porque tudo isso está nas estrelinhas da tensa relação entre os personagens de Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman (o mestre que dá título à produção), o verdadeiro fio condutor da narrativa. Conforme a trama se desenrola, vemos que a transformação que um causa na vida do outro não respeita exatamente a hierarquia de pupilo e mestre. E o efeito é potencializado ainda mais por causa da atuação soberba dos dois atores.
Antes mesmo de a Segunda Guerra Mundial terminar - o que significava voltar para casa sem nenhuma perspectiva -, o marinheiro Freddie Quell (Phoenix) já demonstrava sinais claros de desequilíbrio. Alcoolismo e agressividade são traços que logo se destacam e revelam um pouco de sua personalidade: frágil, inseguro, descontrolado, obsessivo. Justamente por isso, não demora muito até ele se tornar alvo dos estudos de Lancaster Dodd (Hoffman), o líder de um seleto grupo de seguidores que aceitam participar do "processo". Em busca de respostas existenciais, de solução para traumas do passado e de uma fórmula para conseguir o controle da própria vida, eles se dedicam a fazer regressões a vidas passadas e seguir os preceitos ditados pelo mestre.
O conflito se estabelece quando Quell se torna mais que um simples seguidor e é adotado quase como um novo membro da família. Embora seja acolhido pelo líder, sofre rejeição de Peggy Dodd (Amy Adams), figura intrigante por aparentar submissão ao mesmo tempo em que gosta de exercer controle sobre o marido e a própria Causa. É ela quem questiona a presença do ex-militar em sua casa, justo quando ele se transforma num dos principais defensores da seita, a ponto de agredir qualquer pessoa que ouse fazer críticas à ideologia ou aos livros escritos por Dodd.
Os métodos utilizados no "tratamento" de Quell e a uniteralidade do pensamento do líder religioso incomodam - note que a palavra cura, que lhe confere poderes messiânicos, é usada algumas vezes durante o filme. Mas Anderson reforça essa sensação desconfortável, que o próprio discurso evidencia, ao nos forçar a acompanhar o tal processo repetida e exaustivamente. Mas o exercício aqui, mais interessante do que tripudiar de cientologia ou qualquer outro pensamento fanático, é observar a relação de poder e dependência que se estabelece entre os personagens. Se o álcool, as mulheres e a violência funcionavam como bengala para Quell (e continuaram funcionando), a seita apenas engrossou essa lista. Já o mestre desenvolve uma obsessão por seu objeto de estudo, que vai além do carinho de professor ou pai: o jovem é um animal a ser domado, uma anormalidade a ser consertada, uma imperfeição a ser corrigida.
Amy Adams, que transita bem entre filmes comerciais e autorais, mostra uma maturidade espantosa em cena. Sua Peggy é severa, autoritária, ambiciosa e parece mais velha do que realmente é, e o grande trunfo da atriz é fazer um trabalho contido. Hoffman se sai bem na difícil tarefa de encarnar um líder carismático e incrivelmente persuasivo, mas é no jogo psicológico de seu personagem com Quell que ele realmente ganha a plateia. E Phoenix tem em mãos um dos grandes papéis de sua carreira, que lhe permite demonstrar um repertório variado de emoções em intervalos curtos de tempo - todos igualmente emocionantes. Difícil imaginar o mesmo filme sem esse trio. Ponto para Paul Thomas Anderson.
No próximo post: O lado bom da vida
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