Sobre a polêmica do tal filme sérvio



Longe de mim fazer apologia a qualquer coisa, mas não consigo concordar com quem acha normal a censura a A serbian film - Terror sem limites. Porque, sim, esse pode ser o pior longa-metragem já feito em toda a história do cinema, vá saber, mas quem decide se quero ver ou não sou eu. Eu posso ler a sinopse, assistir ao trailer e, ao saber que a obra do estreante Srdjan Spasojevic tem necrofilia e estupro de recém-nascido, dizer: "Vou passar longe desse filme". Assim como eu nunca vou ver Marley e eu ou Sempre ao seu lado, porque eu não tenho estrutura psicológica pra ver um cachorrinho morrendo, imagina essas e outras barbaridades da produção sérvia.

Mas reparem no sujeito da oração: eu leio, eu decido. E posso até achar um erro a decisão artística de incluir esse filme num festival, por exemplo (ele seria exibido no RioFan – Festival do Cinema Fantástico, mas a Caixa Cultural vetou). Só não acho correto nenhum político do DEM ou de qualquer outro partido político, sem sequer ter assistido à obra, decidir que ela viola o Estatuto da Criança e do Adolescente e deve sair de cartaz. Percebem o risco dessa atitude? Ou sou só eu que acho perigosíssima a ideia do "eu acho que" e ponto final? Qual o limite disso? O filme, que ainda teve uma sessão marcada para o Odeon suspensa, continua aguardando decisão judicial.

Um dos textos mais coerentes que li até agora sobre o assunto é do jornalista Luciano Trigo no blog Máquina de escrever, no G1. Luciano, que assistiu ao filme e acha que deve ser analisado (ênfase na palavra análise, por favor), se o longa desrespeita ou não o Estatuto, disse que a violência é mesmo gratuita (como eu já suspeitava) e que a produção não tem valor artístico. Mas ele lembra bem que a discussão está é funcionando como uma publicidade indesejada, já que, se não fosse esse episódio todo, talvez muita gente (eu incluída) nunca fosse notar que o longa existia. Nesse exato minuto deve haver um monte de curiosos baixando o filme na internet. Não posso falar sobre o valor artístico do filme porque não o vi, mas acho que um cineasta que usa necrofilia e estupro de recém-nascido para fazer metáfora do que quer que seja, no mínimo, não sabe fazer uma metáfora. 

O que muita gente não consegue entender é que criticar a censura e defender o filme são duas coisas totalmente diferentes. E, nisso eu discordo do Luciano, ser contra o veto independe da qualidade do produto. O que está em questão é a minha liberdade. Eu tenho duas escolhas: assistir e dizer que achei um lixo (se for o caso) ou simplesmente ignorá-lo. Eu fico com a segunda opção. Prefiro gastar meu tempo livre com Meia-noite em Paris, que, aliás, tem uma fala que eu adorei: "O papel do artista é encontrar o antídoto para o vazio da existência". Woody Allen faz isso. Será que Srdjan Spasojevic consegue?

E o que é melhor de tudo: você, caro leitor, tem o direito de discordar de todo esse texto e fazer a própria escolha.
Giselle de Almeida

6 comentários:

Fabiane Bastos disse...

DISCORDO! Brincadeira, hehehe!

Não sei exatamente o que uma obra precisa para ter valor artístico, mas cultural com certeza deve ter. Afinal a cultura só inútil se você é incapaz de descobrir como utiliza-la.

Neste caso vejo duas discussões bem produtivas: a defesa ou não da censura (que aliais concordo c/ vc, a escolha é nossa!). E sobre os limites da crueldade humana, seja em casos semelhantes reais que acontecem pelo mundo a fora, ou sobre o que leva um autor/diretor achar que precisa contar essa história dessa forma.

Aos censuradores um alerta: até para falar mal, antes você precisa saber do que está falando!

Giselle de Almeida disse...

Exatamente, Fabi!

Cherry disse...

o ótimo filme Laranja Mecânica do Stanley Kubrick também passou pelo mesmo problema. Ainda bem que nos nossos dias temos a opção de negar a censura e recorrer a internet, pois na época em que o Laranja Mecânico foi lançado, as pessoas tiveram de esperar anos para ver o filme na íntegra.
Essa história de censura é um péssimo prognóstico num país com um passado como o nosso.
Engraçado que enquanto escrevo esse comentário, está dando na TV que há na Bahia um projeto em tramitação que proibe músicas de conotação sexual na Bahia.
A censura pode estar voltando, temos que combater isso!

Fabiane Bastos disse...

Também vi essa matéria! Essa censura proibiria 80% das musicas da Bahia, já q as letras de axé são "tão poéticas".´kkkk

É verdade que as letras são ofensivas, mas acredito que quem se coloqua no papel de "rebolantes" dela não ligue, ou até goste do papel de mulher objeto (tem mulher fruta, pq não?). Quem não curte, vai p/ casa, p/ cinema, comer uma pizza,...

Giselle de Almeida disse...

Imagina se alguém conseguiria controlar a produção de músicas na Bahia! Além do princípio proibitivo ser errado, é humanamente impossível. É gasto de tempo, energia e dinheiro do contribuinte. Em tempos de internet, como bem lembrou Cherry, é tapar o sol com a peneira.

Mas tem gente que acha esse tipo de atitude "necessário". Isso é o que me preocupa. Sem falar nos hipócritas, que condenam mas consomem esse tipo de coisa. Quem não curte vai pra casa, pro cinema, come uma pizza ou ouve música boa, né, Fabi? Tem um monte por aí :)

Anônimo disse...

"Os mais perigosos psicopatas são aqueles que censuram a arte, pois tendem a confundir fantasia com realidade" - David Cronenberg

A censura deste filme prova que existem leis que devem ser deletadas nesse país. A lei usada para censurar esse filme tinha boas intenções, mas infelizmente, por ter sido mal escrita, pôde ser usado pelo Partido Nazista (atual Democratas) para fazer o país regressar aos negros anos da ditadura. A lei deve ser escrita novamente, por alguém com cérebro, para evitar que no futuro ela possa ajudar, ao invés de punir, os verdadeiros criminosos.

E felizmente hoje com a internet, os nazistas perderam todo o poder de censurar. E parece que o filme já estreiou no circuito comercial em Campinas.

Sobre o filme: Eu gostei muito, não vi o filme pela violência, mas sim pela mensagem contra a hipocrisia e a violência do governo Sérvio. Antes de tudo, o filme é uma critíca ao governo Sérvio, o próprio diretor disse isso e é exatamente por isso que ele tem que ser polêmico dessa forma, para causar reações nas pessoas (as mesmas que veêm a violência como algo normal do dia a dia) e para expor a hipocrisia de governos, como o nosso, que fecha os olhos para a violência diária nas grandes cidades enquanto censura a arte. Além disso o filme é muito bom e interessante como suspense/terror, quase tão bom quanto Martirs.