Festival do Rio 2009: Maradona


Ok, eu não entendo nada de futebol, não me lembro de ter visto Maradona jogar, e acho que essa discussão de quem é o melhor, ele ou Pelé, meio ridícula. Claro que a nacionalidade é que vai contar nessa rivalidade que eu nem sei bem por que existe. Mas ninguém pode negar que Don Diego é uma figuraça. Além de ser falastrão (o que rende boas manchetes), também tem uma história de vida peculiar, por seu envolvimento com drogas, o que quase destruiu sua carreira. Acho que isso já o suficiente para ser um bom material para um documentário, mas o filme de Emir Kusturica sobre o craque não se encaixa bem na nossa ideia de documentário.

Em primeiro lugar, Kusturica aparece o tempo todo, não só interagindo com o jogador, como comentando certas declarações dele, dando suas impressões sobre ele. Estava óbvio que não seria um retrato "impessoal", mas uma visão muito particular sobre Maradona. E, para minha surpresa, a primeira característica que é ressaltada no filme é sua visão política. O famoso gol de mão sobre a Inglaterra que ganhou ares de revanche do Terceiro Mundo contra Primeiro Mundo, sua admiração por Che Guevara e Fidel Castro ("Os políticos chegam ao poder com dinheiro, ele chegou com um fuzil"), que ele tem tatuados na pele, sua participação em campanhas anti-Bush. Certamente um enfoque menos óbvio, mas também bem tendencioso. Maradona diz muitas frases de efeito, mas, no fundo, não dá para ter certeza se ele realmente sabe do que está falando. Soa bonito, contudo, parece um idealista.

O filme não deixa de lado questões delicadas como as vezes em que o jogador quase morreu por conta das drogas. Em depoimentos muito sinceros e emocionantes, diante da mulher, Claudia, ele conta que perdeu os aniversários das filhas, que elas sabiam quando o pai estava drogado. Ele fala sem hipocrisia sobre o assunto, embora não perca o jeito Maradona de ser ("Imagina o que eu teria sido sem a cocaína!"). Kusturica fala um pouco também sobre a infância pobre do craque, mas não faz disso uma explicação para nada. É como se fosse apenas mais uma parte da vida dele. O que é bom, porque foge do sentimentalismo. Mas o melhor, para mim, são as imagens de arquivo do menino Maradona, dizendo que seu sonho é jogar pela Argentina numa Copa e ser campeão...

Agora, mais do que o menino pobre que venceu na vida, mais do que o craque, mais do que o viciado que quase perdeu tudo, mais que o idealista político, o filme quer mostrar o ídolo Maradona, o nome que representa a Argentina, o nome que enche de orgulho nuestros hermanos. E isso dá pra ver nas cenas em que Diego mal consegue andar nas ruas de Nápoles, tamanho é o esquema de segurança que o cerca, e no carinho com que todos o tratam. Mas o mais hilário, sem dúvida, é a Igreja Maradoniana, que trata o jogador como um deus (D10s, em referência à camisa 10), com direito a orações, cânticos e até a uma versão debochada de um casamento. O que eu gostei mais foi do juramento que os noivos fazem sobre uma bola de futebol. Eles colocam a mão sobre ela e dizem: "Porque a bola não se mancha". Achei engraçado, mas só depois eu descobri o porquê do juramento. Era uma referência ao discurso de Maradona em seu jogo de despedida. E aí achei bonito.

"El fútbol es el deporte más lindo y sano que existe en el mundo. Eso no le quepa la menor duda a nadie. Porque se equivoque uno no tiene que pagar el fútbol. Yo me equivoqué y pagué. La pelota no se mancha." Diego Maradona
Giselle de Almeida

Um comentário:

Fabiane Bastos disse...

Igreja é!?! Tô começando a achar que não é só o Maradona que é uma figuraça incorrigivel. Os argentinos tem uns habitos estranhos... por isso gostam (e cultivam) esse ser humano peculiar.

Colocando na lista de "nem adianta, as locadoras daqui nunca vão comprar esse filme".